Liga Acadêmica de Prática Jurídica em Seguridade Social participa do Juizado Especial Federal itinerante em Porto Murtinho
Conhecida como última guardiã do Rio Paraguai e portal-sul do Pantanal, Porto Murtinho (MS) está localizada a 200 quilômetros de Jardim, cidade mais próxima que conta com agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e a 440 quilômetros da capital Campo Grande, caso o segurado precise passar por perícia médica.
De 4 a 8 de novembro, a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul trouxe para o município o projeto Juizado Especial Federal (JEF) Itinerante, oferecendo serviços e atendimentos de cidadania a comunidades carentes da cidade e das aldeias indígenas Tomázia e Alves de Barros.
A força-tarefa atendeu 3.287 pessoas, em uma das regiões mais isoladas do Estado de Mato Grosso Sul, na divisa com o Paraguai. Durante cinco dias, foi emitido o montante de R$ 702.783,62 em Requisições de Pequeno Valor (RPVs).
Ao todo, houve 352 audiências e 217 perícias que possibilitaram a celebração de 280 acordos. Foram também promovidas 566 orientações jurídicas/petições pela Defensoria Pública da União (DPU)/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e 297 pela Defensoria Pública Estadual (DPE/MS).
Durante a ação, foram emitidas 517 carteiras de identidade (RGs), 229 registros de Cadastro de Pessoas Físicas (CPFs), 158 certidões de nascimento e 225 pedidos de regularização migratória pela Polícia Federal.
Pessoas aguardam atendimento na triagem do Juizado Itinerante em Porto Murtinho( Fotos: Acom/TRF3)
O presidente do TRF3, desembargador federal Carlos Muta, participou da ação no dia 6 de novembro.
“O JEF itinerante ampliou a atuação para que a cidadania e a justiça social alcançassem os que mais necessitam”, declarou.
Presidente Carlos Muta e a juíza federal Monique Marchioli com o professor Aurélio Briltes e alunos da UFMS que atuaram na ação
Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Aurélio Briltes participou de todas as edições da ação itinerante.
“Eu vejo esse projeto como algo que é transformador, inspirador e traz dignidade às pessoas por meio das instituições do sistema de justiça, sem a qual não teriam condições de ter acesso a esses serviços básicos”, apontou.
Para a assistente social Josiane Abadie, da Prefeitura de Porto Murtinho, a ação foi importante não só pela oferta de serviços e benefícios, mas também pela possibilidade de capacitação e orientação.
“A semana trouxe para nós pontos muito importantes. Saímos daqui sabendo como atender melhor as pessoas e identificar seus direitos”.
A profissional também ressaltou a dificuldade da realização de perícias na cidade.
“Temos uma dificuldade imensa. É um trabalho sobre-humano. Levamos elas de carro até Jardim, para a perícia social. Depois, elas retornam e esperam de dois a três meses, para passar na perícia médica em Campo Grande”, detalhou.
De Assunção para o JEF Itinerante
A brasileira Ana Raquel Canteiro Camarra, 36 anos, tem dupla nacionalidade e mora, atualmente, em Assunção, no Paraguai. Assim que soube do evento na cidade onde nasceu, decidiu se programar, pegar o ônibus e percorrer a distância que separa a capital do Paraguai de Porto Murtinho.
“Estou morando lá por uma questão de oportunidade de emprego. Quando soube que teria justiça itinerante, eu aproveitei e corri para cá. Viajei 705 quilômetros na vinda e, hoje, tenho que percorrer 705 quilômetros novamente, mas consegui resolver todos os meus problemas nesse período”.
Em dois dias, Ana Raquel finalizou o processo sobre a pensão para o filho, atualizou o RG e regularizou a inscrição em programas da Caixa.
“Uma questão que precisamos destacar é ter tudo centralizado em um só lugar. Estou muito feliz porque consegui fazer tudo e tenho certeza que todo mundo sai daqui assim, sorrindo e feliz por resolver as questões”, completou.
Ana Raquel se deslocou de Assunção para Porto Murtinho e participou da ação itinerante
Aposentadorias e Loas
A passagem do JEF Itinerante por uma das regiões mais isoladas do país foi marcada pela concessão de aposentadorias aos idosos e de benefícios assistenciais para crianças com doenças neurológicas e raras.
Petrona Rodrigues, 34 anos, tem cinco filhos. Dois deles, um de oito e outro de dez anos, têm distrofia muscular de Duchenne e precisam de cadeiras de rodas para se locomoverem.
Trata-se de uma doença genética rara, degenerativa e incapacitante. Com incidência de um para cada 3,5 mil nascimentos, ela acomete principalmente meninos. Os sintomas incluem cardiomiopatia, capacidade de mobilidade diminuída, insuficiência cardíaca congestiva, deformidades, insuficiência respiratória e arritmias cardíacas.
“Eles precisam de mim para tudo, não fazem nada sozinhos”, relata a mãe, que cuida das crianças com dinheiro que recebe do programa Bolsa Família e do benefício assistencial do menino de oito anos.
No JEF Itinerante, Petrona conseguiu o benefício para o filho de 10 anos. “Fazia tempo que mexia na papelada dele e nunca dava certo. Agora, graças a Deus, eu consegui”, declarou, emocionada, após a audiência.
Petrona conseguiu o benefício assistencial para o filho
Eliane Chaparro tem quatro filhos. Um deles, L. V., tem a estatura de uma criança de 2 anos, apesar de completar 9 anos em novembro. É portadora de Hipopituitarismo, doença rara, conhecida pela deficiência de hormônio de crescimento (DGH) o que causa baixa estatura na infância, com prevalência de uma em cada 4 mil crianças.
“Desde os dois, três anos eu percebi que ela não crescia mais. Foi andar com 7 anos. Faz dois anos que estou correndo atrás de uma ajuda para cuidar dela”, explicou a mãe, após ter reconhecido o direito ao benefício assistencial para criança.
O defensor público da União Silvio Grotto acrescentou que a menor já tem 20 encaminhamentos para tratamento na Capital. “O atendimento do posto local não é suficiente para uma doença rara”.
“Com esse recurso, vou correr atrás de um tratamento para ver se ela cresce um pouco mais”, concluiu a mãe.
Coordenadora do Juizado Especial Federal Itinerante, a juíza federal Monique Marchioli enfatizou a importância da ação.
“Aqui não tem agência do INSS. Se a Justiça Federal não tivesse vindo, essas pessoas não teriam condições de ir até Jardim ou Campo Grande para fazer o pedido. A nossa presença, possibilitou a essas crianças o acesso ao benefício que elas têm direito”.
Vera Gayoso, moradora de Porto Murtinho, é mãe de cinco filhos. Um deles, de 4 anos, foi diagnosticado com autismo grau três. A mulher já tem outro filho especial, com paralisia cerebral e que vive acamado.
“Estava fazendo rifas para custear as consultas dela. Com duas crianças especiais e três adolescentes em casa é muito difícil. Ela não para quieta, quer se machucar. É preciso ficar de olho nela 24 horas por dia”, declarou a mãe, após ter o direito ao benefício assistencial assegurado para a filha.
Vera Gayoso conseguiu o benefício assistencial para a filha que tem Transtorno do Espectro Autista
Paulina Verdum, 52 anos, nasceu no Paraguai, mas atravessou a fronteira quando tinha 18 anos e desde então vive em Porto Murtinho. Quando F. L, filho de seu irmão, tinha 9 dias, ela começou a cuidar da criança. Hoje, o menino tem 14 anos e convive com a Epilepsia e o Autismo.
Paulina compareceu ao JEF Itinerante acompanhada do menor e de sua mãe, avó da criança, Anselma Benites, 62, na quinta-feira, dia 7 de novembro. Neste dia, depois tentativas frustradas, conseguiu o documento de regularização migratória para ela e para o menino, junto a Polícia Federal.
Hoje, 8 de novembro, ela retornou à ação e conseguiu, na parte da manhã, regularizar a guarda da criança com a Justiça Estadual, que também atua na força-tarefa.
À tarde, fez o registro no Cadastro Único (CadÚnico) e, em seguida, foi atendida pela DPU, que ingressou com o pedido de ajuda para o menor. No final do dia, em audiência na Justiça Federal, teve reconhecido o direito da criança receber o benefício assistencial.
Paulínia, Anselma e a criança na audiência que garantiu o benefício assistencial
Inovação
Nesta força-tarefa, pela primeira vez, ocorreram atendimentos em duas localidades diferentes, de maneira simultânea.
No dia 4 e 5, os serviços foram prestados nas aldeias indígenas Tomázia e Alves de Barros, e de 4 a 8, na Escola Municipal Cláudio de Oliveira.
Elisabete da Silva nasceu na Alves de Barros. Ela tem 58 anos e trabalha com artesanato Kadiwéu desde os 12, fazendo vasos e esculturas.
A comunidade é tradicional na confecção de peças em cerâmica, argila e barro. O material utilizado para pintura também é retirado da natureza.
Artesanatos confeccionados pelas indígenas da Aldeia Alves de Barros
Elisabete explicou que tem registro na casa do artesão e lá vende as peças em consignação. No JEF Itinerante, obteve a aposentadoria por idade rural.
“Estava atrás do benefício desde que completei 55 anos. Tenho parentes com a mesma idade que conseguiram, e eu não”.
Emocionada, deixou uma mensagem de gratidão aos integrantes da força-tarefa, em sua língua Kadiwéu.
“Graças a Deus deu tudo certo. Este trabalho na aldeia indígena é muito importante, porque a nossa estrada é de difícil acesso. Se puderem fazer sempre, o povo Kadiwéu agradece”.
Elisabete da Silva obteve a aposentadoria rural e fez um agradecimento na língua Kadiwéu
Licenciado em história, Lourenço Anastácio sempre viveu na Alves de Barros, onde atuava como professor. Ele contou que as comunidades Kadiwéu mais antigas ficam no Rio Paraguai.
“Com o tempo, o povo migrou para esse local, houve uma modernidade, hoje temos luz, água encanada”, observou.
Após Lourenço sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), ficou com sequelas e sem condições de exercer as atividades. No mutirão, obteve o benefício por incapacidade temporária.
“Este auxílio será muito bem-vindo, porque que não consigo mais contribuir com a comunidade pelo meu trabalho na educação. Parabenizo a todos os que estão aqui fazendo esse serviço”, destacou.
Entre 2021 e 2024, foram realizadas nove edições do JEF itinerante em Mato Grosso do Sul.
Fonte: TRF3 [https://web.trf3.jus.br/noticias/Noticiar/ExibirNoticia/434055-juizado-especial-federal-itinerante-atende-3287-pessoas]